A partir de hoje, o blog Pura Malta pretende publicar, com alguma regularidade, críticas (reviews) sobre alguns maltes, incluindo as notas de prova. Também decidimos que não vamos dar uma pontuação quantitativa a whisky (de 0 a 100, ou de 1 a 10, como é comum), faremos apenas um apontamento qualitativo sobre as características gerais de cada bebida (é bom, é medíocre, é excelente, podia ser melhor, etc).

Existem tantos whiskies, qual poderíamos escolher para iniciar esta aventura crítica? Qual a região, destilaria ou maturação? Perante estas questões, decidimos não complicar, olhámos para a garrafeira e, de uma forma prática e intuitiva, pegámos na primeira garrafa que nos apareceu à frente: Caol Ila 12 anos... vamos começar bem!

Caol Ila é uma das oito destilarias activas existentes na ilha de Islay, se considerarmos a recente e (ainda) pequena Kilchoman, que a abriu em 2005 e que é, oficialmente, a destilaria mais a oeste da Escócia (o que não deixa de ser apenas um dado geográfico). Islay é sinónimo de whiskies fumados, fenólicos, ricos em turfa e iodo. As características destes maltes, encontram a sua explicação nas particularidades geológicas e geográficas da própria ilha: toda a costa tem uma grande concentração de algas (iodo), ventos marítimos gelados, salgados e, fundamentalmente, um solo muito húmido que absorve e incorpora toda esta atmosfera.  
Se considerarmos todos os whiskies de Islay, facilmente percebemos que o Caol Ila, enquanto marca, não tem uma afirmação no mercado comparável à Laphroaig, Lagavulin ou Ardbeg, por exemplo. Mas, certamente, a razão para esta discrepância de reconhecimento, não está relacionada com a qualidade do whisky. A versão mais corrente do Caol Ila, o de 12 anos, só entrou no mercado em Junho de 2002, o que na verdade não é muito tempo. Para além disso, grande parte da produção desta destilaria sempre teve como destino os Blended (como o nome indica, são whiskies cujo produto final resulta da mistura de vários whiskies). Por exemplo, o maravilhoso e, infelizmente, descontinuado (em quase todo o merdado internacional, menos em Taiwan (?!)) Johnnie Walker Green Label, resulta da mistura de maltes das destilarias: Caol Ila, Talisker, Linkwood e Cragganmore. (É por isso, tecnicamente, um Blended Malt, e não um Blended Scotch, uma vez que a mistura é feita apenas com maltes.) Beber um Green Label é sempre uma experiência agradável, mas fazê-lo, tendo o privilégio de conhecer cada malte da sua composição em particular, é um exercício fantástico que se pode tornar viciante: tentamos "desmontar" o líquido, separar e compreender cada "camada" de malte.



Voltando ao Caol Ila 12 anos
Comecemos por olhar para o rótulo, já que o nosso post anterior foi dedicado ao design dos rótulos da Laphroaig. O rótulo do Caol Ila 12 anos é simples e equilibrado; sobre um quadrado de papel amarelado com uma fina moldura preta perto das margens, as letras "Caol Ila", em fonte serifada, respiram bem, não gritam, apenas falam conosco; abaixo, um "12"elegante num tom avermelhado (a única cor do rótulo). Existem também alguns cuidados subtis na hierarquização do texto e na conjugação de fontes, serifadas e não serifadas, bold e italic. Em geral, a imagem do Caol Ila 12 anos agrada-nos bastante, pois transmite confiança e seriedade; também o modelo da garrafa é elegante, sendo o mesmo utilizado para engarrafar uma boa parte dos Classic Malts (selecção de maltes à qual o Caol Ila pertence, juntamente com Talisker, Cragganmore, Oban ou GlenKinchie, por exemplo), o rótulo, como já dissemos, é calmo e objectivo: "estamos aqui para vender bom whisky, não queremos chatear ninguém com publicidade".
Continuando no rótulo, passemos agora às indicações que este nos fornece, acerca do interior da garrafa. Com mais destaque, como é normal, temos o nome da destilaria "Caol Ila" e o tempo de maturação "aged 12 years"; depois seguem-se outras informações importantes, região e tipo de bebida "Islay Single Malt Scotch Whisky", percentagem de álcool "43% vol" e quantidade de líquido "70cl". Com muito menos destaque e apenas legível se nos aproximarmos do rótulo, podemos ler dois parágrafos com informações adicionais sobre a localização, origem e "personalidade" da destilaria.

"Out of Sight, in a remote cove near Port Askaig lies Caol Ila, hiden gem among Islay's distilleries since 1846. Not easy to find, Caol Ila's secret malt is nonetheless highly prized among devotees of the Islay style.

Caol Ila Distillery, Port Askaig, Isle of Islay
Caol Ila lies close to Loch nam Ban, source of its pure mash water. The sea provides water for cooling and once brought steamers to collect a whisky appreciated for its balanced, fresh style - lighter-bodied than many Islay malts, yet with all their typical peatiness."

Ou seja, explicam aquilo que já tinha sido dito. Com uma identidade própria, o Caol Ila confirma o estilo de Islay e tem tudo para ser uma das míticas destilarias da ilha, contudo, opta por ser mais recatada, low profile. Vamos beber...




CAOL ILA 12 
Destilaria: Caol Ila
Estilo: Single Malt
Ano: sem informação
Tempo de maturação: 12 anos
Tipo de maturação: sem informação (mas é carvalho americano)
Teor Alc.: 43%
Região: Escócia, Islands, Islay
Engarrafado por: Destilaria (Caol Ila)


Cor: Cor de palha, um pouco esverdeado.
Aroma: Fumado, não tanto "turfado", galhos e folhas a arder, relva fresca acabada de cortar, algumas notas material hospitalar esterilizado (iodo), marítimo, algas. No fundo, alguma doçura, talvez de um fruto tropical.
Corpo: Oleoso mas leve e confortável.
Palato: Confirma o aroma fumado, fumo de assador de brasas com lulas e pimentos, carvão, novamente a relva fresca, sal.
Final: Longo e muito intenso. Bastante salgado mas balanceado com um toque doce. Equilibrado.

Caol Ila 12 anos é um single malt muito bom e recomenda-se. Percebe-se facilmente o toque fumado de um single malt de Islay, mas não deixa de ter uma personalidade bem vincada, principalmente na forma como equilibra a intensidade do fumo e a oleosidade do corpo, com uma frescura marítima, doce e leve; o que o torna um óptimo aperitivo, por exemplo. 
Estas características de equilíbrio explicam, provavelmente, o facto do Caol Ila ser um malte bastante usado para whiskies blended; não se impõe em demasia mas dá o toque necessário. 

Actualmente, o preço justo para uma garrafa de Caol Ila 12 anos ronda os €45,00 (depende sempre do país em que se está), não paguem mais €50,00. Sem querermos ser injustos, temos de admitir que, se procuramos a experiência de um single malt de Islay, pelo mesmo preço (talvez menos uns euros, até), é preferível optar por um Laphroiag 10 anos ou  Laphroaig Quarter Cask; pois serão sempre mais ricos em sabor e intensidade. Mas nem todos os gostos nem momentos são iguais, existirão alturas, certamente, em que nos vai apetecer um Caol Ila e não um Laphroiag.


Em meados de 2013, a Laphroaig restaurou o design dos seus rótulos e embalagens. Segundo os responsáveis, esta mudança  pretende dar uma imagem mais actual e duradoura à destilaria, sem romper com a linha anterior. Clique

Na imagem acima estão duas versões do rótulo do Laphroaig - Quarter Cask, a mais recente à esquerda e a antiga à direita. Segundo informação recolhida pelo Pura Malta, junto de especialistas e profissionais na área do design, a nova imagem é melhor; dentro dos argumentos da depuração, equilíbrio, hierarquização e condições de leitura. Os mesmos especialistas consideraram o rótulo anterior bastante datado, sendo "algo que se esforça demasiado para parecer antigo". Para alem disso, na mesma garrafa, o mini rótulo com o ano de abertura da destilaria colocado abaixo do gargalo, não funciona no modelo de garrafa escolhido, sendo a colagem bastante tosca.

Apesar de concordarmos com as opiniões dos especialistas (em design, não em whisky), o Pura Malta considera que, por exemplo, a ilustração do rótulo antigo é fundamental para explicar a forma como o whisky é maturado num casco mais pequeno (com 1/4 do tamanho do normal). O whisky de 10 anos, era posteriormente transferido para cascos mais pequenos, de modo a poder ser transportado por burros durante os percursos térreos. Enquanto isso, também maturava mais um pouco, e ficava com outro sabor (um pouco mais rico que a versão de 10 anos). Talvez o novo rótulo devesse continuar a incluir este apontamento gráfico, ainda que pudesse ser de uma forma mais depurada e actual.

Design de parte da linha da Laphroaig, a partir de Maio de 2013.

Durante o nosso questionário, houve ainda quem manifestasse uma opinião bastante negativa relativamente a toda a imagem gráfica da Laphroaig; o rótulo completamente branco com as letras a preto e a garrafa verde.
Quanto a isso, na opinião do Pura Malta, a Laphroaig tem uma das imagens mais bonitas de todos os single malts; precisamente pela sua simplicidade. Normalmente, as destilarias na ilha de Islay (como é o caso do Laphroaig), tem numa grande parede branca, virada para o mar, um mural com o nome da destilaria, em letras pretas bastante legíveis. O fundo branco do rótulo da Laphroaig e as letras pretas, são uma referência clara à imagem destas destilarias escocesas. É bom que o produto final, engarrafado, nos continue a remeter para o local onde "a magia acontece". A garrafa verde, é uma opção que também nos agrada e que pode remeter também para a cor da paisagem circundante. A cor do whisky dá-nos detalhes importantes sobre a bebida (idade, maturação, etc), mas só é importante no copo e, na nossa opinião, há até algum fascínio no facto da cor não se revelar logo na garrafa.


Murais nas paredes das destilarias Ardbeg e Bowmore, na ilha de Islay.

Dois clássicos de qualidade superior: Lagavulin 16yo e Talisker 10yo. Dois whiskies relativamente acessíveis (não tanto o Lagavulin) que são o cartão de visita de duas grandes destilarias.

Esta fotografia foi tirada entre o Natal e o Ano Novo de 2013, na primeira reunião de membros fundadores do PURA MALTA, antes do início do clube, que está agora a começar.


É possível adquirir qualquer um destes dois whiskies em algumas garrafeiras do país, apesar da maior parte nunca ser muito direccionada para whiskies de malte. Uma maneira simples e eficaz é encomendar na internet. O site da Garrafeira Nacional (que é uma loja em Lisboa) parece ser uma excelente opção, tendo a vantagem de não cobrar portes para Portugal Continental, se a encomenda for acima dos €50,00. Por exemplo, no nosso caso, o Lagavulin 16yo custa €52,90 no site (que é um preço muito aceitável), o que significa que qualquer pessoa no país pode mandar vir uma garrafa deste ouro líquido para a sua casa, sem pagar mais por isso. No caso Talisker (€41,50) terão de encomendar, por exemplo, duas garrafas, pois pagar portes está sempre fora de questão.

Lagavulin 16yo
Talisker 10yo

Sláinte!


Awakening the Snake foi lema escolhido pelos fundadores do PURA MALTA para representar o clube.

O whisky é uma bebida com bastante álcool e, apesar dos destilados mais comerciais terem normalmente 40% vol. alc. (o que já não é mau), os melhores maltes costumam ter mais, chegando por vezes a um teor alcoólico de 60%.
Portanto, é normal reduzir um pouco o álcool do whisky, para que se possa usufruir em pleno dos aromas que cada bebida esconde. Este processo é muito simples, basta adicionar umas gotas de água de nascente no copo e, fazendo contas de cabeça, tentar chegar mais ou menos a 35% vol. alc.

Como a água e o whisky tem densidades diferentes, formam um remoinho quando se misturam no copo, assemelhando-se a uma serpente que sobe, dentro do líquido. A este fenómeno, os escoceses chamam "o despertar da serpente".
Em portugal, normalmente, usa-se a expressão "abrir o whisky" para este processo de redução do álcool e consequente intensificação de outros aromas.


Na Escócia e Irlanda brinda-se com a palavra "Sláinte", de origem gaélica.

+ INFO

O PURA MALTA está numa fase embrionária, portanto, faltam ainda alguns detalhes importantes como o emblema do clube, que ainda não tem uma versão final.
Para começar, fica aqui o primeiro projecto feito pelo Mauro Cerqueira, com a ajuda da Cristina Ramos, no Verão do ano passado. A técnica usada pelos artistas foi esferográfica sobre toalha de papel e o registo, lamentavelmente, foi feito com um telemóvel em condições de iluminação muito limitadas.
O Cálice da deusa grega Hígia, que é oficialmente o símbolo das farmácias (podem ver na Wikipédia mais detalhes disto), foi o ponto de partida para este emblema. O que quer dizer que, para nós, beber whisky só nos faz bem, claro.
A versão final estará pronta em breve.

Sláinte!